Resumo das Obras da Acafe 2011 (inverno)



Pagador de Promessas

Autor do livroDias Gomes



Anúncios Cliquemidia
Zé-do-burro era um homem muito simples, vivia na companhia da mulher e de seu animal, um burro por quem tinha muito apego. 

Certa vez o animal fora ferido na cabeça por um galho de árvore e Zé, ao ver a situação do animal, fez uma promessa à Santa Bárbara, prometeu que dividiria suas terras entre os necessitados e carregaria uma cruz tão pesada como a de Jesus até à igreja da Santa. Como em sua cidade não havia a tal igreja, fez a promessa em um terreiro de candomblé, onde ela é conhecida pelo nome de Iansan. Saiu de sua terra no interior da Bahia carregando uma cruz, junto ia sua esposa. 

Caminharam sete léguas até que chegaram à igreja de Santa Bárbara em Salvador. Saíram às cinco da manhã e chegaram à igreja um pouco antes desse horário. Por mais que Rosa insistisse para que ele deixasse a cruz na porta, Zé mantinha-se firme na ideia de que a promessa só seria cumprida se ele deixasse a cruz na frente do altar como prometera.
Nessas circunstâncias Rosa se deitou nos degraus da igreja e cochilou. Zé, que estava extremamente cansado da jornada com a cruz, ficou tentando se manter em vigília, mas pegava no sono constantemente.
Enquanto isso, chegou à praça Bonitão e Marli. Ela lhe entregou um dinheiro e ele reclamou do tanto que ela conseguiu, mas o serviço de prostituta não rendia como antes. Os dois acabaram brigando, Marli era completamente apaixonada por ele que, no entanto, não se importava, a não ser pela questão financeira. 
Marli foi embora. Bonitão foi em direção a Rosa e Zé, já com segundas intenções para com Rosa. Zé-do-burro lhe explicou a situação, ao que Bonitão aconselhou que ele fosse à porta lateral da sacristia, pois o padre já deveria ter levantado para se preparar para a missa das seis. Zé foi e enquanto isso Rosa e Bonitão conversaram cheios de insinuações. 

Quando Zé voltou, Bonitão ofereceu um lugar para os dois se hospedarem, mas Zé se opôs a abandonar a cruz, frente às insistências do marido, Rosa foi e o traiu com Bonitão.
Com o passar das horas, a agitação na rua começou e a igreja foi aberta. Zé, dirigindo-se ao padre, explicou sua promessa. O padre ouvindo citações do candomblé se recusou a permitir a entrada de Zé na igreja. Ele, frente a isso e muito responsável em relação à promessa, afirmou que só sairia dali quando a cumprisse. 

Nesse momento, apareceram muitas pessoas na praça de frente para a igreja. O galego dono de uma venda, um poeta, uma baiana e outros, todos se puseram a favor de Zé e ficaram ali a opinar. Nessas circunstâncias Rosa volta já arrependida de sua traição. Logo mais um repórter aparece e classifica Zé como o novo Messias, apoiador da reforma agrária e cria envolta da promessa dele uma campanha política. 
Um guarda apareceu e tentou convencer Zé a ir embora e depois intercedeu a favor dele junto ao padre, mas ele não aceitou. Com isso, apostas foram feitas quanto ao dia da entrada ou não de Zé e a cruz na igreja. O superior do padre foi à igreja, ficou a par da historia, propôs que Zé pedisse perdão por seu pecado e fosse embora abandonando a cruz, mas ele não aceitou.
Com contribuição de Bonitão, apareceu na praça um policial que ficou a observar Zé, buscando indícios para condená-lo. Rosa, de certa forma ciente quanto à situação do marido, voltou a suplicar ao marido para ir embora, mas ele estava irredutível. Nessas circunstâncias Bonitão reapareceu e Rosa foi com ele.

Chegou ao local o delegado com alguns policiais, querendo levar Zé-do-burro preso, mas ele se declarando inocente e sem nada a temer afirmou que dali só sairia morto. Logo uma confusão aconteceu e um tiro feriu Zé mortalmente. Os policiais foram embora, o padre se sentiu culpado e os capoeiristas que estavam na praça pegaram o corpo dele e colocaram sobre a cruz levando para dentro da igreja.

Ao amanhecer, quando o padre viu aquele homem com uma cruz na escadaria da igreja, e tomou conhecimento da promessa feita em um terreiro de candomblé para Iansan, Santa Bárbara, pela cura de um burro, recusou-se a receber Zé e sua cruz, acusando-o de heresia e culto ao demônio. O jovem padre não admitia o sincretismo religioso, resolveu fechar as portas e somente abrí-las quando aquele homem desistisse e fosse embora. Por sua vez, Zé do Burro decidiu que só sairia quando cumprisse sua promessa integralmente. 
As pessoas que chegavam para a procissão eram atraídas por aquela cena e a notícia se espalhava entre o povo, até que um repórter foi ao local pra fazer uma matéria sensacionalista, distorcendo os fatos e transmitindo a notícia de acordo com as próprias tendências políticas, fazendo frente ao sistema do País mergulhado numa ditadura militar.
Enquanto isso, Bonitão, como era conhecido o gigolô, entrou em contato com a polícia e levantou suspeitas sobre Zé do Burro, em uma trama para prendê-lo e deixar o caminho livre, podendo assim agenciar Rosa na prostituição.
Mais tarde, depois da chegada do delegado e após muitos questionamentos sobre a dignidade da promessa e da proíbição de sua entrada na igreja, foi anunciada a detenção do pagador 
de promessa que, profundamente consternado, resistiu à prisão e foi morto pela polícia na presença de todos.
1. (CEFET-PR) Leia atentamente as afirmações abaixo sobre Pagadorde Promessas e assinale a verdadeira:

(A) Zé-do-Burro e sua esposa, Rosa, mantêm um relacionamento amoroso conflituoso devido a ele ser um revolucionário do campo e ela, uma beata devota.
(B) O Secreta, o Delegado e o Guarda demonstram a nova face da polícia, após a ditadura de Vargas, preocupada com os direitos humanos.
(C) Minha Tia e Mestre Coca são representantes do povo, católicos ardorosos, que se revoltam com as heresias cometidas por Marli e Zé-do-Burro.
(D) Bonitão e Marli são o exemplo de um relacionamento moderno, em que homem e mulher usufruem dos mesmos direitos.
E) O Monsenhor e Padre Olavo representam a rigidez de princípios teóricos da doutrina católica diante de situações práticas inusitadas.


2. (UTFPR) Em Pagador de Promessas, de Dias Gomes, “ABC da Mulata Esmeralda” de Dedé Cospe-Rima que conta a história dessa mulher, “desde o nascimento, no Beco das Inocências, até a morte, por trinta facadas, na Rua da Perdição”, é de certa forma um prenúncio da própria história narrada na peça, pois:

I) a mulher de Zé-do-Burro é morta com trinta facadas quando se aproxima da roda de capoeiristas.
II) a trajetória dos personagens Zé-do-Burro e Rosa segue o mesmo caminho, da inocência à perdição.
III) Zé-do-Burro, trinta anos presumíveis, acaba morto na “rua da perdição” de sua mulher, que o traiu.

Está(ão) correta(s) somente:

A) I.
B) II.
C) III.
D) II e III.
E) I e II.


3. (UTFPR) Em Pagador de Promessas, de Dias Gomes, o personagem central, Zé-do-Burro, é casado com uma mulher que, segundo a rubrica da peça, “parece pouco ter de comum com ele. (...) Ao contrário do marido, tem “sangue quente”. “Demonstração do “sangue quente” da esposa se dá quando ela:

A) enfrenta a vendedora de Beiju devido aos ciúmes que sente do relacionamento desta com o marido.
B) bate na prostituta, até matá-la, pela traição em roubar-lhe o amante, Bonitão.
C) cansada do descaso de Zé-do-Burro, quebra a cruz, impossibilitando-o de cumprir sua promessa.
D) sem resistir, seduzida por Bonitão, entrega-se ao sensual cafetão traindo o marido. 
E) delata o marido para o Secreta a fim de vingar-se da traição de Zé-do- Burro com Iansan.


4. (UTFPR) Leia atentamente os excertos de rubricas retirados da peça Pagador dePromessas, de Dias Gomes.

I) “É uma bela mulher, embora seus traços sejam um tanto grosseiros, tal como suas maneiras. (...) É agressiva em seu “sexy”, revelando, logo à primeira vista, uma insatisfação sexual e uma ânsia recalcada de romper com o ambiente em que se sente sufocar. Veste-se como uma provinciana que vem à cidade, mas também como uma mulher que não deseja ocultar os encantos que possui”.
II) “Ela tem, na realidade, vinte e oito anos, mas aparenta mais dez. Pinta-se com exagero, mas mesmo assim não consegue esconder a tez amarelo-esverdeada. Possui alguns traços de uma beleza doentia, uma beleza triste e suicida. Usa um vestido muito curto e decotado, já um tanto gasto e fora de moda, mas ainda de bom efeito visual. Seus gestos e atitudes refletem o conflito da mulher que quer libertar-se de uma tirania que, no entanto, é necessária ao seu equilíbrio psíquico...”.

Em relação às assertivas I e II é correto afirmar que:

A) em I e II tem-se a descrição da mesma mulher, Rosa, amante de Bonitão, o malandro cafetão.
B) em I tem-se a descrição de Rosa, mulher do personagem principal de pagador depromessas.
C) em II tem-se a descrição de Rosa, amante de Bonitão, o malandro cafetão.
D) em II tem-se a descrição de Marli, mulher do personagem principal de O pagador depromessas.
E) em I e II tem-se a descrição da mesma mulher, Marli, mulher do personagem principal, Zé-do-Burro.


5. (UTFPR) Na obra Pagador de Promessas, circulam pela praça, onde se passa a história, diversos personagens que retratam diferentes questões. Estabelecendo uma correlação entrepersonagens e temas, teremos:

I) Zé-do-Burro e a fé; Padre Olavo e a intransigência
II) Bonitão e o amor; Rosa e a traição
III) Galego e a ambição; Mestre Coca e o sentimento de coletividade
IV) Repórter e a vaidade; Marli e a pureza

Estão corretas somente as assertivas:

A) I e II.
B) I e III.
C) III e IV.
D) II e III.
E) II e IV.

Inocência


1. (UNICENTRO) Relativamente ao romance Inocência, de Taunay, todas as afirmativas abaixo são procedentes, EXCETO

Publicidade

[Visconde de Taunay]

Sertão de Santana do Paranaíba, 1860. Pereira [ Martinho dos Santos Pereira ] vive na fazenda com Inocência, sua filha de 18 anos. Seu pai exige-lhe obediência total, num regime antigo e educada longe do mundo. Escolhe para ela o noivo, Manecão, um homem criado no sertão bruto, de índole violenta. Maria Conga é uma preta, escrava de Pereira. Tico é o guarda da moça Inocência, bastante fiel apesar de ser mudo. Um dia, Pereira encontrou-se com um rapaz que percorria os caminhos do sertão a medicar. Havia feitos estudos no colégio do Caraça e iniciado Farmácia em Ouro Preto. Chamavam-no de 'doutor', título que não menosprezava. Seu nome era Cirino Ferreira dos Santos [ Dr. Cirino ]. Inocência estava doente de 'uma febre braba' e o 'doutor' curou-a . Os dois apaixonaram-se mais tarde: eram demasiados os cuidados que o 'doutor' tinha para com ela. Amavam-se às escondidas e o laranjal era local de encontros proibidos. Pensavam que ninguém poderiam desconfiar... mas Tico, o anãozinho mudo, estava atento... Nesse ínterim, Pereira andava é desconfiado do Dr. Meyer, um caçador de borboletas, que por lá aparecera! Desconfiava a tal ponto que o ilustre entomólogo passou a ser 'persona non grata'. Dr. Meyer tinha por objetivo descobrir espécimes novos para museus europeus. Respeitava com muito carinho e muita atenção a bonita Inocência. José Pinho [Juque], ajudante de Dr. Meyer, explicava a função de seu patrão: procurar insetos. E isso durante quase dois anos...
Garcia, leproso, aparece na fazenda do Sr. Pereira. Quer falar com Dr. Cirino. O 'médico' diz-lhe que a doença e incurável e contagiosa.

Inocência foi maltratada pelo pai, quando este soube de seu amor com o doutor. Foi atirada contra a parede. Resistiu e jurou não se casar com Manecão, o sertanejo violento. Mas o pai - Sr. Pereira - achou que a filha estava de 'mau olhado', por causa do Dr. Meyer. E encontrou uma solução: ele ou Manecão mataria o intruso alemão. Dr. Meyer não deu ouvidos a Pereira, zombado de sua ameaça. Tomou-se de vergonha: era ofensa demais. Tico, após testemunhar o amor existente entre Inocência e Cirino, explicou ao Sr. Pereira tudo que se passava...
Manecão começou a seguir os passos de Cirino. Até um dia interpelou-o . Tirou uma garrucha da cintura e... Cirino caiu por terra, pedindo água e sussurrando o nome de Inocência. Agonizante, exigia do mineiro Antônio Cesário que não deixasse Inocência casar-se com Manecão...
Dr. Guilherme Tembel Meyer, em 1863, apresentava aos entomólogos do mundo a sua mais recente descoberta: uma borboleta até então desconhecida: 'Papilio Innocentia:' em homenagem à Inocência, a moça do sertão de Santana do Paranaíba, da Parte sul oriental do Mato Grosso.

Inocência, coitadinha...

Exatamente nesse dia dois anos faria que seu gentil corpo fora entregue à terra, no intenso sertão de Santana do Parnaíba, para dormir o sono da eternidade...

CARACTERIZAÇÃO DOS PERSONAGENS:

Martinho dos Santos Pereira [Pereira] - Homem de mais ou menos 45 anos, gordo, bem disposto, cabelos brancos, rosto expressivo e franco. Pessoa honesta, hospitaleiro, severo e não trocava a sua palavra nem pela vida.

Inocência - Cabelos longos e pretos, nariz fino, olhos matadores, beleza deslumbrante e incomparável, faces mimosas, cílios sedosos, boca pequena e queixo admiravelmente torneado. Enfim, uma jovem de beleza deslumbrante e incomparável.Simples, humilde, meiga, carinhosa, indefesa e eternamente apaixonada.

Tico - O anão guardião de Inocência. Mudo, raquítico, esperto e fez por um momento, o papel de fofoqueiro.

Maria Conga - Escrava de Pereira que cuidava dos afazeres domésticos. Escura, idosa e malvestida. Usava na cabeça um pano branco de algodão.
Major Martinho de Melo Taques - Homem que merecia influência na vila de Santana do Parnaíba: Juiz de paz e servia de juiz municipal. Participou da Guerra dos Farrapos no Rio Grande do Sul. Era comerciante e gostava de contar casos, ou seja, 'prosear'.
Manecão - alto, forte, pançudo e usava bigode. Enfim, vaqueiro bruto do sertão. Pessoa fria que matava, se fosse preciso, em defesa de sua honra.

Antônio Cesário - Padrinho de Inocência. Homem respeitado, de palavra, honesto e justo. Fazendeiro do sertão.

Guilherme Tembel Meyer - alto, rosto redondo, juvenil, olhos claros, nariz pequeno e arrebitado, barbas compridas, escorrido bigode e cabelos muito louros. Pessoa de boa ídolo, esperto em sua função e simples ao pronunciar as sua palavras. Admirador da natureza e da beleza de Inocência.
José Pinho [Juque] - Ajudante de Meyer. Era muito intrometido em conversas alheias. Pessoa boa e de confiança de seu patrão.

Cirino Ferreira Campos - Tinha mais ou menos 25 anos, presença agradável, olhos negros e bem rasgados, barbas e cabelos cortados quase à escovinha. Era tão inteligente quanto decidido. 'Doutor' Cirino era caridoso, bom doava a própria vida em defesa do amor.

COMPONENTES DA OBRA:

O romance relata a vida do povo do sertão brasileiro. O autor nos mostra de forma nem clara, a simplicidade, o sofrimento e o jeito típico do sertanejo, através de seus personagens.

Sofrimento - A caminhada do sertanejo em busca de seus objetivos através de longas distâncias, sendo que no percurso, existe a dificuldade do abrigo. 

Simplicidade - É claramente observada através do comportamento e diálogos entre as personagens típicas. 

Contradições - Comprava-se entre o jeito de ser do sertão e a forma avançada da Europa [Pereira e Meyer]. 

Amor - Um amor tão puro e verdadeiro que por falta de condições de existência preferiu a morte, ou pelo menos, foram levados a ela. 

Honra - Pereira para manter a honra familiar, sacrificava sua própria filha, já que sua palavra estava acima de tudo. 

Beleza - É retratada através da paisagem do sertão e da jovem Inocência. 

Escravidão - ë representada por Maria Conga e outros. 



MOMENTO LITERÁRIO

Inocência pode ser considerada a obra prima do romance regionalista [Sertão do Mato Grosso] do nosso Romantismo. Seu autor, Visconde de Taunay, soube unir ao seu conhecimento prático do país, adquirindo em inúmeras viagens na condição de militar, o seu agudo senso de observação da natureza e da vida social do Sertão brasileiro.

A qualidade de Inocência resulta do equilíbrio alcançado entre os aspectos ligados ao conceito de verossimilhança - que muitas vezes chegava a comprometer a qualidade de obras regionalistas -, como a tensão entre ficção e realidade, a linguagem culta e a linguagem regional e a adequação dos valores românticos à realidade bruta do nosso Sertão.

Inocência é uma história de amor impossível, envolvendo Cirino, prático de Farmácia que se autopromoveu médico, e Inocência, uma jovem do Sertão de Mato Grosso, filha de Pereira, pequeno proprietário típico da mentalidade vigente entre os habitantes daquela região.

A realização amorosa entre os jovens é invisível porque Inocência fora prometida em casamento pelo pai de Manecão, um rústico vaqueiro da região; e também porque Pereira exerce for vigilância sobre a filha, pois, de acordo com seus valores, ele tem de garantir a integridade de Inocência até o dia do casamento.

Ao lado dos acontecimentos, que constituem a trama amorosa, há também o choque de valores entre Pereira e Meyer, um naturalista alemão que se hospedara na casa de Pereira à procura de borboletas, evidenciando as contradições entre o meio rural brasileiro e o meio urbano europeu.

A atração pelo pitoresco e o desejo de explorar e investigar o Brasil do interior fizeram o autor romântico se interessar pela vida e hábitos das populações que viviam destante das cidades. Abria-se assim, para o Romantismo, o campo fecundo do romance sertanejo, que até hoje continua a fornecer matéria à nossa literatura.

MOMENTO HISTÓRICO

Na época em que o autor se inspirava para escrever Inocência, acontecia no país a aprovação da Lei do Ventre Livre, onde todos os filhos de negros que nascessem à partir daquela data seria livre da escravidão brasileira.

A) O autor desenvolve toda a história em cenário e meio tipicamente sertanejo.
B) Numa atmosfera agreste e idílica, a gente rústica do sertão de Mato Grosso vive seus conflitos.
C) Pereira decide casar a filha com Manecão, homem honrado e rude tal como o pai de Inocência.
D) Órfã de mãe desde o nascimento, Inocência é criada pelo pai, Pereira, mineiro afetuoso mas turrão.
.


A cidade ilhada, de Milton Hatoum


A cidade ilhada é o primeiro livro de histórias curtas (contos) de Milton Hatoum. Segundo o autor, "‘A Cidade Ilhada’ reúne 18 contos que selecionei nos últimos 18 anos". É limitado demais dizer que se trata de uma obra de caráter regionalista. Há uma organização espacial bem definida, é verdade, mas os conflitos acentuados no enredo são amplos, universais.

A maioria dos contos tem como cenário a mesma Manaus cosmopolita que costuma aparecer em sua obra, cidade habitada pela memória inventada de narradores nativos e estrangeiros e, é claro, do próprio autor, e também pelo contraste entre esplendor e miséria, pelo fascínio encarnado na exuberância natural da região, com seus rios e mistérios, e a decadência que a consumiu nas últimas décadas. 
O trânsito se dá também em outro sentido na coletânea de contos: vez ou outra reaparece um personagem já visto em seus livros anteriores. É o caso do tio Ranulfo, original de Cinzas do Norte, que surge em dois momentos de A Cidade Ilhada.

Se o cenário e os personagens soam familiares, há algumas novidades de tom em A Cidade Ilhada. Pois, em vez da violência tão impetuosa que permeia suas histórias anteriores, nos contos reverbera um lirismo que, se não é novidade (ele parece estar sempre à espreita nos textos de Hatoum), aqui ousa se aproximar cada vez mais do humor. Os contos refletem mais a vida nômade, que foi também a de Miton antes de se tornar um autor consagrado, pois viveu por alguns anos na Europa; depois, deu aulas de Literatura nos Estados Unidos, e hoje mora em São Paulo. As histórias têm humor e leveza porque dizem respeito à sua vida de andarilho, que foi uma época de pobreza, mas de muita alegria, segundo Hatoum.

A leveza está em histórias como "Dançarinos na última noite", a preferida de Hatoum, no qual o empregado de um hotel encontra uma pequena fortuna dentro de uma jiboia. Em vez de mudar de vida, decide viver como um rico, por apenas uma noite. Ou em "Encontros na península", em que o protagonista ensina Machado de Assis a uma viúva espanhola, que quer estudar a obra do brasileiro para se vingar do ex-amante - um dos contos nos quais Hatoum se distancia de Manaus e de seus personagens habituais.
Mas o momento de maior lirismo está talvez em "Um oriental na vastidão", outro no rol de preferidos do escritor: um professor japonês realiza, de forma inusitada, o maior sonho de sua vida, conhecer o Rio Negro. Como de praxe, em todos os contos se mistura a história do próprio Hatoum, suas "memórias recriadas".
Trabalhando com temas aparentemente comuns Milton Hatoum constrói contos repletos de silêncios e sutilezas, exigindo atenção e participação do leitor, retribuindo com conflitos profundos e universais.

"Varandas da Eva", o primeiro conto do volume, já é um bom exemplo. A história narra a lembrança de um episódio ocorrido na infância do narrador, quando visitou, pela primeira vez, o bordel Varandas da Eva, e lá passou uma noite, sua primeira, com uma bela e enigmática mulher. Voltou ao local no dia seguinte, e em outros, e outros, e nunca mais encontrou-a, até que muito tempo depois encontraria um grande amigo seu, também dos tempos de meninice, e descobre que aquela mulher era sua mãe. As diferenças sociais de um grupo de amigos parecem pequenas quando todos não passam de meninos que descobrem a vida. O tempo passa e as memórias de uma juventude de aventuras livres são atropeladas pela separação (inevitável?) entre pobres e não pobres e por uma atormentadora coincidência. Hatoum faz uma leitura nostálgica do passado neste texto. Chora a passagem do tempo, capaz de dissipar "os gozos sem fim", dando espaço para que a aspereza de cada ato da vida surja "como um cacto, ou planta sem perfume".
Em uma leitura mais atenta percebe-se o amigo do narrador como o menino pobre que ganhou as roupas para visitar o bordel e se emocionou ao experimentá-las, para chacota dos demais; a hesitação do menino no dia da tão esperada visita, e seu posterior sumiço; o carinho e o mistério da mulher para com o narrador. E vê-se que cada frase, cada cena, cada comentário tem uma função no texto e ajuda a construir aquele desfecho, e é nessa leitura que entende-se ser esta não a história de um menino em busca da primeira mulher, mas de um menino tornando-se homem e perdendo, com isso, muito da antiga ingenuidade, muito da ilusão:
"Anos depois, num fim de tarde, eu acabara de sair de uma vara cível, e passava pela avenida Sete de Setembro. Divagava. E já não era jovem. A gente sente isso quando as complicações se somam, as respostas se esquivam das perguntas. Coisas ruins insinuavam-se, escondidas atrás da porta. As gandaias, os gozos de não ter fim, aquele arrojo dissipador, tudo vai se esvaindo. E a aspereza de cada ato da vida surge como um cacto, ou planta sem perfume. Alguém que olha para trás e toma um susto: a juventude passou."

A outra ponta da vida, a velhice e os desejos vencidos estão lindamente apresentados em "Dois Poetas da Província". O texto aborda o encontro de Albano e Zéfiro, dois poetas, um ex-aluno do outro, ambos apaixonados por Paris. Albano se prepara para embarcar para França. Zéfiro, um poeta que nunca publicou um livro, vive em Manaus o sonho europeu, e se orgulha em desprezar o governo militar com a mesma altivez em que ignora "a cachaça, o sol da tarde e a floresta". Albano, o ex-aluno, é também uma espécie de alter ego do professor, se não por sua postura diante da poesia, certamente por sua postura diante da vida.

As memórias de menino são recorrentes, e outro texto fantástico protagonizado por um menino, provavelmente o mesmo de "Varandas da Eva", embora isso não fique claro e nem seja necessário, é "Uma estrangeira da nossa rua". Aqui a história aparente conta o amor platônico de um menino por uma vizinha ruiva, filha de estrangeiros que jamais deixavam a casa, embora fossem afáveis com todos na rua. A história oculta, porém, revela mais, revela o fosso social que se cria entre comunidades muito próximas, revela a dificuldade de relacionamento entre culturas diferentes, revela o medo e até a soberba daqueles que julgavam trazer o progresso. O conto, aliás, lembra muito um conto de Cortazar, "Final do jogo", em que também uma narradora menina conta a história de um amor impossível, que surge pela juventude e ingenuidade dos amantes e não se concretiza pelas complicadas e definitivas regras sociais.
O olhar estrangeiro em Manaus permeia praticamente todo livro, como deve mesmo ser para quem cresce na fronteira entre o país urbanizado e a floresta, entre a modernidade e o selvagem. O estrangeiro de "A Cidade Ilhada" é atento, curioso, desconfiado com tudo que cerca o mundo real.

Em "Uma Estrangeira da Nossa Rua", a família Doherty mantém-se distante do entorno. Pai, mãe e duas lindas filhas estão isolados do país pelo muro da casa, numa discrição excessiva que os afasta das relações mais casuais. É nesse ambiente de distanciamento que o narrador percebe a presença de Lyris, a jovem sedutora porque o garoto sente "alguma coisa terrível e ansiosa parecida com a paixão". Outro olhar estrangeiro, dessa vez de um brasileiro em Berkeley, está em "Uma Carta de Bancroft". Aqui, o narrador descreve seu espanto ao encontrar uma carta fictícia de Euclides da Cunha numa biblioteca americana. No manuscrito, o escritor descreve um sonho e uma cena premonitória. Mais uma vez, Manaus aparece emaranhada. O narrador diz que a cidade o persegue, mesmo quando não é solicitada, "como se a realidade da outra América se intrometesse na espiral do devaneio para dizer que só vim a Brancoft para ler uma carta amazônica do autor de Os sertões.

Há nessa cidade ilhada, ainda, espaço para crimes ("A casa ilhada"), fascínios ("Um oriental na vastidão"), sonhos ("Dançarinos na última noite") e até espaço para outras cidades, como "Bárbara no Inverno", que conta a história de um casal de exilados políticos em Paris, ou "Encontros na península", interessantíssimo conto-ensaio que dialoga com a obra de Machado de Assis.

O conto "Manaus, Bombaim, Palo Alto", é um dos mais divertidos, quase anedótico: um escritor amazonense recebe um telefonema misterioso de um assessor do governo, pedindo que receba a visita de um almirante indiano. O estrangeiro, segundo o funcionário, quer simplesmente conhecer um homem de letras da cidade. O encontro, no apartamento do escritor é embaraçoso: um temporal deixa goteiras à mostra, e Leon, seu gato amarelo, insiste em se enroscar na calça impoluta do almirante. Anos depois, o autor descobre que esse é, na verdade, um jornalista disfarçado, e que descrevera num periódico indiano que a casa do escritor mais parecia um chiqueiro. Hatoum revela que este é o conto mais autobiográfico do livro.

Vale ainda um trecho de "Encontros na península", em que um jovem brasileiro morando em Barcelona é procurado por uma mulher para aprender português do Brasil com o intuito de ler Machado de Assis e refutar a afirmação de seu amante português de que ele fora infinitamente inferior a Eça de Queirós:

"Não, mas é louco por Eça de Queirós. Ele disse que Machado foi pérfido ao criticar cruelmente dois romances do escritor português. Não sei se isso é verdade; sei que Soares não se conforma com essas críticas, e até ficou exaltado quando perguntou: por que a dor física e a miséria são menos aflitivas que a dor moral? Ele não se cansa de afirmar que Eça é muito superior a Machado, que é o maior escritor brasileiro. Por isso eu quis ler no original o rival de Eça. Coisas de amantes."

Leia na íntegra o conto "Varandas da Eva":

"Varandas da Eva: o nome do lugar.

           Não era longe do porto, mas naquela época a noção de distância era outra. O tempo era mais longo, demorado, ninguém falava em desperdiçar horas ou minutos. Desprezávamos a velhice, ou a ideia de envelhecer; vivíamos perdidos no tempo, as tardes nos sufocavam, lentas: tardes paradas no mormaço. Já conhecíamos a noite: festas no Fast Clube e no antigo Barés, bailes a bordo dos navios da Booth Line, serenatas para a namorada de um inimigo e brigas na madrugada, lá na calçada do bar do Sujo, na praça da Saudade. Às vezes entrávamos pelos fundos do teatro Amazonas e espiávamos atores e cantores nos camarins, exibindo-se nervosamente diante do espelho, antes da primeira cena. Mas aquele lugar, Varandas da Eva, ainda era um mistério.
           Ranulfo, tio Ran, o conhecia.
           É um balneário lindo, e cheio de moças lindas, dizia ele. Mas vocês precisam crescer um pouquinho, as mulheres não gostam de fedelhos. Invejávamos tio Ran, que até se enjoara de tantas noites dormidas no Varandas. A vida, para ele, dava outros sinais, descaía para outros caminhos. Enfastiado, sem graça, o queixo erguido, ele mal sorria, e lá do alto nos olhava, repetindo: Cresçam mais um pouco, cambada de fedelhos. Aí levo todos vocês ao balneário.
           Minotauro, fortaço e afoito, quis ir antes. Foi barrado no portão alto, cuspiu na terra, deu meia-volta, quase marchando para trás. Era um destemido, o corpo grandalhão, e um jeito de encarar os outros com olho quente, de meter medo e intimidar. Mas a voz ainda hesitava: era aguda e grossa, de periquito rouco, e o rosto de moleque, assombrado, meio leso.
           Gerinélson era mais paciente, rapaz melindroso, sabia esperar. Já namorava de dar beijos gulosos e acochos, e nos surpreendia em pleno domingo guiando uma lambreta velha, roubada do irmão. Na garupa, uma moça desconhecida, de outro bairro. Ou estrangeira. A máquina passava perto da gente, devagar, roncando, rodeando o tronco de uma árvore. Depois acelerava, sumindo na fumaceira. Ele sempre gostou de desaparecer, extraviar-se. Gerinélson era e não era da nossa turma. Eu o considerava um dos nossos. Ele, não sei. Tinha uns segredos bem guardados, era cheio de reticências: não se mostrava, o rapaz.
           O Tarso era o mais triste e envergonhado: nunca disse onde morava. Desconfiávamos que o teto dele era um dos barracos perto do igarapé de Manaus; um dia se meteu por ali e sumiu. Raro sair com a gente para um arrasta-pé. Ele recusava: Com esses sapatos velhos, não dá, mano. Um cineminha, sim: duas moedas de cada um, e pagávamos o ingresso do Tarso. E lá íamos ao Éden, Guarany ou Polytheama. Depois da matinê, ele escapulia, não ficava para ver as meninas da Escola Normal, nem as endiabradas do Santa Dorothea. Tarso queria vender picolés e frutas na rua, queria ganhar um dinheirinho só para entrar no Varandas da Eva. Mas era caro, não ia dar. Então tio Ranulfo prometeu: Quando chegar a hora, pago pra todos vocês.
           Tio Ran, homem de palavra, foi generoso: espichou dinheiro para a entrada e a bebida. Depois tirou um maço de cédulas da carteira. Disse: Isso é para as mulheres. E nada de molecagem. Cada um de vocês deve ser um gentleman com aquelas princesas.
           Contamos as cédulas: dava e sobrava, era a nossa fortuna. Compramos na Casa Colombo um par de sapatos, e tia Mira costurou uma calça e uma camisa, tudo para o Tarso. Quando ele experimentou a roupa nova, parecia outro, ia chorar de alegria, mas Minotauro, maldoso, debochou: Deixa pra chorar depois da farra, rapaz. Quem fica feliz de roupinha nova é moça.
           Eles ficaram cara a cara, os olhos com faíscas de rancor. Tia Mira se intrometeu, com súplicas de trégua e paz. Os dois olharam para minha tia, os rostos mais serenos, o pensamento talvez em outras searas.
           Marcamos a noitada para uma sexta-feira de setembro. Gerinélson pegou o dinheiro, quis ir sozinho, de lambreta. Tio Ran nos levou em seu Dauphine, parou quase na porta, nos desejou boa noitada. Quando íamos entrar, Tarso hesitou: deu uns passos para a frente, recuou, quis e não quis entrar. Ficou mudo, mais e mais esquisito, fechou-se. Nós o desconhecemos: luz e dança não o atraíam? Minotauro puxou-o pela camisa, enganchou a mão no pescoço dele, repetindo: Bora lá, seu leso. Nosso amigo abaixou a cabeça, concordando, mas com um salto se desgarrou, e correu para a escuridão.
           Tarso, um desmancha-prazer. Deixamos o nosso amigo. A vontade não é de cada um e em cada dia? Minotauro soltou um grunhido, resmungou: Não disse? Roupinha nova é mimo pra mocinha.
           Entramos. Um caminho estreito e sinuoso conduzia ao Varandas da Eva. Aos poucos, uma sombra foi crescendo, e no fim do caminho uma luminosidade surgiu na floresta. Era uma construção redonda, de madeira e palha, desenho de oca indígena. Mesinhas na borda do círculo, um salão no meio, iluminado por lâmpadas vermelhas. Uns casais dançavam ali, a música era um bolero. Minotauro apontou uma mesinha vazia num canto mais escuro. Sentamos, pedimos cerveja, um cheiro de açucena vinha do mato. E Gerinélson, se extraviara? Na luz vermelha, quase noite, Minotauro me cutucou: uma mulher sorria para mim. Não vi mais o Minotauro, nem quis saber do Gerinélson. Só olhava para ela, que me atraía com sorrisos; depois ela me chamou com um aceno, girando o indicador, me convidando para dançar. Não era alta, mas tinha um corpo cheio e recortado, e um rostinho dos mais belos, com olhos acesos, cor de fogo, de gata maracajá. Dançamos três músicas, e dançamos mais outras, parados, apertadinhos, de corpo molhado. Ela percebeu minha ânsia, me apertou com gosto, e me levou, no ritmo lento da música, para fora do salão. Por outro caminho me conduziu a uma das casinhas vermelhas, avarandadas, na beira de um igarapé. Ficamos um tempo na varandinha, no namoro de beijos e pegações. Depois, lá dentro, ela fechou a porta, e deixou as janelas entreabertas. O som de um bolero morria na casinha avarandada.
           Ela me ensinou a fazer tudo, todos os carinhos, sem pressa, com o saber de mulher que já amou e foi amada. Passamos a noite nessa festa, sem cochilo, e muitos risos, de só prazer. Fez coisas que davam ciúme, carícias que não se esquecem. Perguntei como ela se chamava. Ela disfarçou, e disse, rindo: Meu nome? Tu não vais saber, é proibido, pecado. Meu nome é só meu. Prometo.
           A voz e a risada bastavam, minha curiosidade diminuía. Nome e sobrenome não são aparências?
           Não quis me ver nem ser vista à luz do dia; quando as águas do igarapé ficaram mais escuras do que a noite, ela pediu que eu fosse embora. Obedeci, a contragosto. Saí no fim da madrugada, caminhando na trilha de folhas úmidas. Naquela manhã o sol teimou em aparecer no céu fechado.
           Voltei ao Varandas no mesmo dia, a fim de revê-la; voltei muitas vezes, sempre sozinho, nunca mais a encontrei.
           O Tarso disse que não entrou no Varandas porque teve medo.


           Medo?
           Ele sério, e calado.
           Minotauro me contou sua farra, cheia de façanhas. A grande gandaia, noite e dia, ele disse com uma voz que não tremia mais, voz bem grossa, de cachorrão. O Gerinélson me olhou de soslaio, sorriu de fininho, desconversou. Ele não se mostrava mesmo. Gostava das coisas só para ele, guardando tudo na memória, dono sozinho de seus feitos e fracassos.
           Nos meses seguintes, ainda tentei ver a mulher, pulava de um clube para outro, os lupanares de Manaus. Até hoje, sinto ânsia só de lembrar.
           Tia Mira dizia que eu estava babado de amor. Estás tonto por uma mulher, ela ria, observando meu devaneio triste, meu olhar ao léu.
           O Tarso não quis conversar sobre aquela noite. Foi o primeiro a se afastar da turma: teve de abandonar a escola, queria ser prático de motor, ou, quem sabe, capataz numa fazenda do Careiro.
           Três anos depois, meus tios Mira e Ran mudaram de bairro; os encontros com meus amigos tornaram-se fortuitos, minha vida procurou outros rumos. O único que cruzou o meu caminho foi Minotauro; cruzou por acaso, quando eu saía do bar Mocambo e ele ia visitar um amigo no quartel da Polícia Militar. Estava fardado, era soldado S1 e se preparava para o exame de suboficial da Aeronáutica. Servia na base terrestre, de guerras na selva. Não queria voar.
           Sou homem com pés no chão, ele foi logo dizendo. É emocionante a gente se perder na mata, os perigos me atraem, mano. A gente entra na floresta, escuta os ruídos da noite e a noite é escura que nem o dia. É um desafio. Toda a cambada tem que caminhar naquele ziguezague escuro, dormir sem saber onde está, matar os bichos e encontrar a saída para a sede do comando.
           Falava com desembaraço, cheio de si, alisando com os dedos grossos a boina azul. O rosto continuava assombrado, quase feroz, e a risada saía que nem uivo. Ele havia topado com o Gerinélson:
           O leso do Geri viajou para São Paulo. Quer ser doutor, médico de mulher. Quer se aproveitar delas, riu o Minotauro, tenebroso, mostrando dentes de cavalo. Tu nem sabes... O Geri sempre foi sonso, andou pelo Varandas antes da gente, sempre foi caído por mulheres de todas as idades.
           Dei um risinho chocho, sem vontade. Minotauro já era meu ex-amigo? Está em outro mundo, nossos pensamentos não se encontram. Foi o que eu remoí naquele instante.
           E o Tarso?
           Mais pobre do que eu, ele disse. Deve estar caído por aí. Pobre pobre não se levanta, mano. Nem soldado o coitado do Tarso pode ser.
           O Minotauro me tratou com carinho. Não sei se naquele dia eu tive pena ou raiva dele. Desprezo, talvez. Ele se despediu com um abraço forte, de estalar as costelas. Era socado, um monstro. Pôs a boina na cabeça e saiu andando, desengonçado, cumpridor de deveres.
           Anos depois, num fim de tarde, eu acabara de sair de uma vara cível, e passava pela avenida Sete de Setembro. Divagava. E já não era jovem. A gente sente isso quando as complicações se somam, as respostas se esquivam das perguntas. Coisas ruins insinuavam-se, escondidas atrás da porta. As gandaias, os gozos de não ter fim, aquele arrojo dissipador, tudo vai se esvaindo. E a aspereza de cada ato da vida surge como um cacto, ou planta sem perfume. Alguém que olha para trás e toma um susto: a juventude passou.
           Quando andava diante do Palácio do Governo, decidi descer a escadaria que termina próxima à margem do igarapé; parei no meio da escada e me distraí com a visão dos pássaros pousados nas plantas que flutuavam no rio cheio. Foi então que vi, numa canoa, um rosto conhecido. Era Tarso. Remou lentamente até a margem e saltou; depois tirou um cesto da canoa e pôs o fardo nas costas, a alça em volta da testa, como faz um índio. O corpo do meu amigo, curvado pelo peso, era o de um homem. Subiu uma escadinha de madeira, deixou o cesto na porta de uma palafita, voltou à margem e puxou a canoa até a areia enlameada. À porta apareceu uma mulher para apanhar o cesto. Reapareceu em seguida e acenou para Tarso. Num relance, ela ergueu a cabeça e me encontrou. Estremeci. Eu ia virar o rosto, mas não pude deixar de encará-la. Ela me atraía, e a lembrança surgiu agitada, confusa. A voz dela chamou: Meu filho! A mesma voz, meiga e firme, da moça, da mulher da casinha vermelha, no balneário Varandas da Eva. Era a mãe do meu amigo? Isso durou uns segundos. Por assombro, ou magia, o rosto dela era o mesmo, não envelhecera. Mal tive tempo de ver os braços e as pernas, a memória foi abrindo brechas, compondo o corpo inteiro daquela noite.
           Tarso escondeu a canoa entre os pilares da palafita, e entrou pela escadinha dos fundos. A mulher já tinha sumido.
           Permaneci ali mais um pouco, relembrando...
           Nunca mais voltei àquele lugar." 
Créditos: Marcelo Spalding, Digestivo Cultural | Juliana Krapp, Gazeta Mercantil


Jorge, um brasileiro - Oswaldo França Jr

 o universo dos caminhoneiros que atravessam o país para chegar aos destinos mais distantes, e Jorge é um deles. Depois de brigar com a sua companheira Sandra, ele sai para mais uma viagem, e relembra os fatos mais marcantes de sua vida, suas aventuras e os amigos da estrada.
Uma característica forte foram críticas a situação dos caminhoneiros que circulam, as condições das rodovias e as infraestruturas Brasileiras precárias. Mostram ainda aspectos importantes e relevantes referentes a acidentes constantes que ocorrem nas rodovias brasileiras e da impunidade.
Mostra ainda lado referente a reforma agrária e protestos que afetam diretamente o povo Brasileiro.
Para agradar o patrão, caminhoneiro lidera comboio que tenta transportar carga por região inundada de Minas Gerais.
A aventura principal é a procura de Jorge, o sentido que dá à vida, como na busca dos heróis das histórias romanescas da tradição medieval. De acordo com o ensaísta Walter Benjamin, entre as narrativas escritas, as melhores são as que menos se distinguem das histórias orais contadas pelos inúmeros narradores anônimos . E Jorge, um brasileiro é uma história oral de um viajante que tem muito que contar, e a recepção é feita mais por um ouvinte do que por um leitor. Jorge narra suas aventuras baseado em suas próprias experiências, na vivência do dia a dia das estradas por onde rodou. As aventuras são os elementos propulsores da história romanesca narrada por Jorge, entre as quais se distingue a aventura principal e várias outras aventuras menores. A aventura principal é a procura de Jorge, o sentido que dá à vida, como na busca dos heróis das histórias romanescas da tradição medieval. O plano narrativo mais recente é o momento em que Jorge entra na casa do senhor Mário, e conversa com sua esposa, dona Helena. Ele acabou de retornar da viagem, com seis dias de atraso em relação ao que sua missão prescrevia, e dirigiu-se à casa do patrão. Entre o momento em que ele permanece na sala com dona Helena e o momento do beijo e sua retirada, desdobram-se os outros planos narrativos, em camadas. A aventura principal começa em Belo Horizonte, quando o protagonista recebe a missão de buscar oito carretas carregadas com trinta toneladas de milho cada uma que estavam em Caratinga sem poder seguir viagem porque a chuva havia danificado as estradas, e havia uma barreira na saída da cidade com policiais impedindo que os motoristas seguissem viagem. 

O romance Amrik1997, cujo tempo histórico é o fim do século XIX, fala sobre os imigrantes libaneses em São Paulo. É a bela história ficcional de um senhor cego, no Líbano em lutas contra os drusos, que se vê na iminência de uma fuga por questões políticas, e pede ao irmão que lhe dê um dos seis filhos para lhe servir de guia. O pai dá a única filha mulher, a inesquecível personagem Amina, que é a narradora do livro. O tio cego, Naim, ensina a menina a ler, para que ela leia em voz alta para ele os livros de sua biblioteca. Os dois libaneses acabam no Brasil, na América, ou Amrik, e Amina é envolvida num episódio que também se refere ao erro transformador. Aí Ana Miranda encontra uma chave experimentalista para junção de música, pois a narradora é dançarina libanesa, poesia, com a fala solta de um fluxo de consciência de alguém que mal sabe falar o português. Um resultado imprevisível, e uma leitura eletrizante, para quem aprecia as ousadias literárias. Criado em cima de textos clássicos da literatura árabe.

AMRIK  Ana Miranda











Interações genéticas






Questões:

Informações para as questões 1 e 2
Em galinhas, o tipo de crista é um caso de interação gênica em que temos:


GENÓTIPOS
FENÓTIPOS
R-ee
Rosa
rrE-
Ervilha
R-E-
Noz
rree
Simples

01. Em 80 descendentes, qual será o esperado para o seguinte cruzamento: Rree X rrEe?


02. Um galo de crista noz, cruzado com uma galinha crista rosa, produziu a seguinte geração: 3/8 noz, 3/8 rosa, 1/ 8 ervilha e 1/8 simples. Quais os genótipos dos pais?

                                
03. Na galinhas, um gene C produz plumagem colorida, enquanto o alelo c condiciona plumagem branca. O gene C é inibido na presença do gene I, produzindo-se então plumagem branca.

Uma galinha branca, cruzada com macho colorido número 1, produz 100% de descendentes coloridos.
A mesma galinha, cruzada com um macho número 2, também colorido, produz 50% de descendentes
coloridos e 50% de descendentes brancos. Quais são os genótipos da galinha e dos dois galos?

 
Informação para as questões 4 e 5

Em ratos, a coloração da pelagem é determinada por dois genes, C e A, e seus respectivos recessivos, c e a. O gene c em dose dupla tem efeito epistático, inibindo a ação dos genes produtores de pigmento e determinando a formação de albinos. Neste tipo de herança encontramos os seguintes genótipos e fenótipos, colocando-se entre parênteses o gene que pode ser indiferentemente recessivo ou dominante.

       Genótipos                               Fenótipos

       C(c) A(a) ................................... cinzento
       C(c) aa ...................................... preto
       Cc A(a) ....................................  albino
       cc aa .........................................  albino

04. Um rato preto, quando cruzado com uma fêmea cinzenta, produziu uma geração na qual foram evidenciadas as seguintes proporções fenotípicas: 3/8 cinzento, 3/8 preto e 2/8 albino. Os genótipos parentais são:

a) Ccaa X CcAa
b) CcAA X ccAa
c) Ccaa X CCAa
d) CcAa X CcAa
e) ccAA X ccAa


05. Um rato albino, cruzado com uma fêmea preta produziu a seguinte geração: ¼ aguti, ¼ preto e ½ albino. Os genótipos parentais são:

a) ccAa X Ccaa
b) ccAA X Ccaa
c) ccAa X CCaa
d) CcAa X CcAA
e) ccAa X ccAA


06. Uma mulata,  filha de pai branco e mãe negra, casa-se com um homem branco. Quanto à cor da pele, como poderão ser seus filhos?


07. Um mulato escuro casou-se com uma mulher branca. Quais as probabilidades de esse casal ter um filho mulato claro do sexo masculino?


08. Sabendo-se que do casamento entre um mulato médio e uma mulher mulata clara nasceram crianças brancas e mulatas, assinale a alternativa que apresenta a seqüência de genótipos do pai e da mãe respectivamente:

a) AAbb  Aabb
b) aaBB  aaBb
c) AAbb  aaBb
d) AaBb  Aabb
e) aaBB  Aabb


09. (CESGRANRIO) Supondo que a cor da pele humana seja condicionada por apenas dois pares de genes autossômicos (A e B) contribuintes, qual a probabilidade de um casal de mulatos, ambos com genótipo AaBb, ter um filho branco?

a) 1/16
b) 4/16
c) 5/16
d) 6/16
e) 8/16


10. Um casal tem 12 filhos, todos mulatos médios. Provavelmente este casal será constituído por:

a) dois mulatos médios
b) um mulato médio e um negro
c) um branco e um mulato médio
d) um negro e um branco
e) um mulato claro e um escuro


Resolução:

01. 20 noz; 20 rosa; 20 ervilha; 20 simples
02. RrEe X Rree
03. Galinha iicc; macho 2 iiCc
04. A
05. A
06. Mulatos médios, mulatos claros e brancos.
07. 1/4 ou 25%.
08. D09. A10. D